Refogado
Márcio Alemão
Galinha velha é que dá caldo bom? E quem nunca chorou pelo leite derramado ou puxou a brasa pra sua sardinha?
— Você pensou em como resolver aquele pepino que eu te passei?
— Na verdade ainda tem muita coisa pra digerir naquele relatório, mas de cara já dá pra dizer que o camarada era um tremendo laranja.
— Pois é. Será que em nenhum momento ele percebeu que aquele angu ia desandar?
— Estranho, né? Ele ficou anos ali, fazendo só o feijão-com-arroz e ganhando uma tremenda grana.
— E ele sempre soube que o Pedro e o Madeira eram farinha do mesmo saco.
— Quer saber? Eu avisei. Eu cansei de falar pro camarada que tinha muita coisa esquisita rolando. Cansei de dizer que ele precisava ficar com um olho no peixe e outro no gato.
— Não adianta, cara. Tem gente que é assim mesmo. Tem gente que não percebe que a rapadura é doce, mas não é mole.
— Aí quando o caldo entorna...
— Aí não adianta chorar pelo leite derramado.
— E, mudando de pato pra ganso, como é que ficou o contrato com o Zé Ernesto?
— Eu tô sentindo que eles estão enchendo linguiça.
— Calma. Você sabe que quem tem pressa come cru.
— Eu sei, mas uma coisa é você perceber que te colocaram em banho-maria e outra é sentir que te colocaram na geladeira.
— Paranoia sua. Eles se meteram naquela empreitada lá no norte...
— Aquilo todo mundo sabia que era um tremendo de um abacaxi.
— E o Andrade é um osso duro de roer.
— Por isso eles não estão querendo assumir agora esse novo contrato.
— Eu cheguei a conversar com o Zé e ele tinha certeza que ia ser mel na sopa.
— Lembro bem. Mas esse é o Zé Ernesto. É só você insinuar que ele pode, eventualmente, vir a ter algum problema que ele já conclui que você tá querendo puxar a brasa pra tua sardinha.
— Sem falar que aquele assunto de Belo Horizonte não tinha sido resolvido.
— Querer assobiar e chupar cana ao mesmo tempo dá nisso.
— O Freitas te passou o relatório de Petrópolis?
— Uma verdadeira salada. O Freitas não anda muito bem. Aliás, nem veio trabalhar.
— Ligou pra ele?
— Disse que é a tal da virose que tá dando por aí e vai ficar em casa de molho.
— Falando nisso, você acha que aquela proposta do Derek pode dar algum caldo?
— A minha dúvida é a mesma: quero saber com qual fatia do bolo a gente fica.
— O cara é guloso.
— E gosta de moleza, gosta de sentar no pudim e costuma não colocar a mão na massa.
— Chegou a ver o orçamento dele?
— Só gordura.
— A cara dele. Reparou como ele engordou?
— Tá pior que gato de cozinheira.
— E na reunião com os investidores suava mais que pano de cuscuz.
— Gostei da secretária dele.
— Que biscoitão, hein?
— Eu cheguei a bater um papinho com ela. Na verdade é meio sem sal.
— Mas é bem melhor que a dona Neide.
— A dona Neide. Sabia que ela teve seus dias de glória?
— Mas virou um bagaço.
— Se você conversar com o Elias ele vai discordar.
— É engraçado o Elias. Ele bate firme na mesma tecla há anos: galinha velha é que dá caldo bom.
— A gente acabou entrando na parada lá de Goiás?
— Entramos, mas bem de leve. Ali o que eu acho é que a gente deve ir comendo pelas beiradas. É no fogo baixo que o feijão engrossa.
— Marília. Vale a pena requentar essa história?
— Tenho dúvidas. Acho que é bananeira que já deu cacho.
— Não concordo totalmente, mas admito que é tirar leite de pedra.
— Você vai na casa do Alonso no sábado?
— Vou tentar. Aliás, você viu a casa dele?
— Disseram que é uma mansão.
— É. Mas o cara fez uma casa de 1.200 metros em um terreno de 1.300 metros.
— O clássico peru no pires.
— Tá com muito, o Alonso.
— E quem tem muito, dizia minha avó, assa manteiga no espeto.
— Ficou sabendo do Caio?
— Caio Mendes?
— Fritaram ele.
— Tá brincando!
— Não faz 15 dias, a gente foi tomar uma coisinha lá no Patá e ele tava se queixando que o pessoal só via as pingas que ele bebia, mas não via os tombos que ele levava.
— Talvez tenha sido melhor, sabia? Aquela empresa não vai bem, cara. E aí a gente sabe: em casa onde não tem pão, todo mundo grita...
— Vai almoçar?
— É bom. Não sei por que, mas essa nossa conversa me abriu o apetite.
60 CartaCapital 13 de abril de 2005